As remessas ao exterior devem sofrer a incidência de 10% a título de CIDE-Royalties? Em nosso entendimento, não. Mas também é importante entender o porquê e quem já iniciou a discussão.
Identificamos que empresas como Amazon, Gerdau e Johnson & Johnson já contestaram esta cobrança que já está afetada pela sistemática da Repercussão Geral no STF (Tema 914: RE 928.943) – Saiba mais porquê.
É comum a celebração de contratos de empresas que operam no Brasil com empresas sediadas no exterior para fornecimento de tecnologia, prestação de assistência técnica, prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, compartilhamento de custos (cost sharing), direito de uso de marca etc.
Nesses casos, os pagamentos feitos no âmbito desses contratos estão sujeitos ao recolhimento de uma contribuição conhecida como “CIDE-Remessas” ou “CIDE-Royalties”, nos termos da Lei n. 10.168, de 2000, a uma alíquota de 10% sobre os valores remetidos ao exterior.
Porém, a referida contribuição é inconstitucional, pois a sua criação pelo Congresso Nacional não observou os requisitos constitucionais para a instituição de uma CIDE, além de violar diversos princípios como a Isonomia Tributária e a existência de desvio de finalidade na aplicação dos valores recolhidos.
Não fosse o bastante, em alguns contratos específicos não há qualquer transferência de tecnologia, mas apenas a prestação de serviços meramente administrativos (advocacia, recursos humanos etc), de modo que a CIDE não deveria ser recolhida sobre a remessa de pagamento desses contratos.
Diversas empresas que recolhem a CIDE já ingressaram com ações para afastar a cobrança, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, em breve, irá julgar a constitucionalidade dessa contribuição e o resultado do julgamento valerá para todas as ações judiciais em curso
A polêmica CIDE Royalties: os principais argumentos de sua inconstitucionalidade
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) instituída pela Lei 10.168/2000 e alterada pela Lei 10.332/2001, com a finalidade de financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o apoio à inovação, vêm sendo questionada por sua inconstitucionalidade.
A incidência da CIDE inicialmente recaía sobre as empresas detentoras de licença de uso ou adquirentes de conhecimentos tecnológicos, bem como aquelas signatárias de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.
Contudo, a incidência da contribuição foi alargada pela Lei 10.332/2001, abarcando também as empresas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem como pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.
Os argumentos pela declaração de inconstitucionalidade são bem sólidos e merecem atenção. Dentre eles, podemos destacar que a CIDE afronta os artigos 149 e 174 da Constituição Federal pela ausência de qualquer ação interventiva por parte da União que dê legitimidade à sua cobrança. Deve-se ter claro que qualquer contribuição especial de intervenção no domínio econômico deve ter como finalidade o custeio efetivo de uma atuação interventiva da União na economia e a CIDE está direcionada à ordem social.
Igualmente inexiste o que se denomina referibilidade entre a cobrança e a destinação, ou seja, a CIDE carece de uma correlação lógica entre os pagantes e o benefício trazido pela contribuição, pois ela se destina a estimular o desenvolvimento tecnológico nacional. Dessa forma, torna-se impossível identificar o setor econômico supostamente sujeito à intervenção estatal e beneficiário das contribuições.
No caso, a CIDE Royalties destina-se a estimular o desenvolvimento tecnológico nacional, por meio de distintas ações, tais como incentivos a programas de pesquisa e capacitação de recursos humanos. Todavia, os pagantes da CIDE Royalties são como já descritos, pessoas jurídicas que celebram contratos de fornecimento de tecnologia, prestação de serviços técnicos e administrativos, cessão e licença de uso de marca e de exploração, e as que pagarem royalties a qualquer título, de modo que o fato gerador do tributo não possui nenhuma correlação com o desenvolvimento tecnológico.
O princípio da igualdade também é afrontado. Ainda que com atividades empresariais idênticas, as empresas, segundo a Lei 10.168/2000, poderão ser tratadas de forma distinta. Somente empresas signatárias de contratos que impliquem transferência de tecnologia do exterior para o Brasil ou do Brasil para o exterior é que serão tributadas. Já as empresas que vendem ou recebem a tecnologia de empresa situada no Brasil não.
Além disso, ocorre um desvio de finalidade dos recursos arrecadados. Como dito anteriormente, a CIDE destina-se a financiar programas de pesquisa científica e tecnológica entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo, todos vinculados a ordem social, mas de acordo com o artigo 218 da Constituição a ordem social deve ser financiada por meio da receita de impostos e não como está ocorrendo, por meio da cobrança de uma contribuição específica dos particulares.
Outro argumento importante é que segundo o art. 149 da Constituição, pelo qual contribuições de intervenção no domínio econômico devem ser criadas por lei complementar e não como ocorreu pela Lei ordinária 10.168 de 2000, configurando não somente um desrespeito ao comando constitucional como uma ilegalidade.
Por todos os argumentos brevemente expostos é possível compreender que antes de criar tributos é imprescindível o respeito à Constituição. Os olhos do legislador não podem estar focados somente no potencial de arrecadação ou nas possíveis novas fontes, devem focar-se nas condições constitucionalmente impostas para que isso ocorra.
Por Bruno Borges, advogado da Locatelli.
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