Acompanho de perto propostas, textos e opiniões relacionadas à Reforma Tributária no Brasil e a sensação que tenho é de que não vamos para lugar algum. E sobre o texto apresentado recentemente pelo Executivo (PL 2.337/2021), isso pode ser até bom. Daqui a pouco explicamos em mais detalhes este ponto. A contradição é que na agenda nacional poucos temas são tão necessários – e inclusive quase unânimes em torno de sua necessidade – e ao mesmo tempo distantes, quanto a tão sonhada simplificação no pagamento de tributos.
Há casos em que o passar do tempo não aproxima, mas afasta, reduzindo as chances de uma solução desejável. A paz no Oriente Médio é um exemplo. Embora haja um desejo mundial pela conciliação entre as nações árabes e Israel, o passar dos anos não aponta nesta direção. É sempre uma região de incertezas, disputas e conflitos.
Algo parecido com a nossa gestão tributária. Em um grupo de 190 países, só há seis com uma situação pior que a nossa, segundo o relatório Doing Business de 2020 do Banco Mundial – Congo (185ª), Bolívia, República Centro-Africana, Chade e Venezuela (190ª). Observamos uma certa discrepância entre a realidade tributária e a econômica na medida em que ocupamos a 12ª posição do mundo na produção de riquezas (PIB) e a 63ª posição no PIB per capita, segundo dados do FMI.
Seria bom para o Brasil e para os brasileiros uma melhor relação entre governos e contribuintes. Mas após ouvir profissionais respeitados como a Dra. Elidie Bifano, sócia do escritório Mariz de Oliveira, dizer que há mais de 30 anos participa de discussões sobre nosso sistema tributário, fica uma sensação de que outros 30 podem se passar sem grandes avanços ou até com risco de retrocesso.
Embora os burocratas do governo digam que não vai haver uma elevação da carga tributária, o mercado avalia a atual proposta de uma forma diferente. Há projeções de aumento na arrecadação na ordem de R$ 40 bilhões por ano. Só para ficarmos em dois exemplos, vamos pensar em dois setores altamente prejudicados pela elevação da carga – o de serviços (o que mais emprega no país) e o de infraestrutura – que dispensa maiores explicações, dada a sua relevância para a economia nacional.
É estranho que outros projetos amplamente discutidos com a sociedade tenham sido deixados de lado e passe a ganhar prioridade uma proposta unilateral do Executivo – a típica solução de cima para baixo. Ainda que as intenções sejam as melhores, é fácil perceber que os efeitos colaterais podem ser desastrosos.
O sistema atual impõe um custo Brasil elevado, afasta investimentos e nos faz perder competitividade em relação a outros pares internacionais. É exatamente por isso que nem no pior pesadelo poderíamos pensar que seria possível regredirmos. A burocracia tem seus feitos, principalmente quando descolada da realidade social.
O pagamento de tributos é uma das 12 áreas de regulação de negócios acompanhada pelo relatório Doing Business do Banco Mundial. Entre os critérios avaliados estão o tempo desperdiçado no preenchimento de formulários e na apuração de impostos, além da taxa total de tributos e contribuições devidas para uma empresa estar em conformidade com todas as regulações dos órgãos de fiscalização.
Qualquer proposta deveria passar pela compreensão dos melhores modelos mundiais e adaptação para o nosso quadro. Tivemos e ainda temos tempo para isso, além de não faltar pessoas competentes na administração tributária para estudar modelos e trazer propostas para serem discutidas e avaliadas.
Há experiências bem sucedidas no mundo. Não precisamos copiar de forma precária nenhum modelo já implementado, como muitos outros institutos tropicalizados, mas também não precisamos partir do zero. Há quatro pilares que compõem a grande parte da arrecadação:
- Renda
- Faturamento
- Consumo
- Folha de pagamento
Os demais são ajustes residuais – ganho de capital, propriedade, industrialização, importação etc.
Há perguntas básicas que deveriam ser feitas antes de apresentar qualquer proposta:
- É possível manter o mesmo nível de arrecadação, redistribuindo a carga de forma mais eficiente?
- O novo modelo tem condições de simplificar o sistema anterior?
- Há risco de desincentivar ou precarizar algum setor que hoje funciona regularmente?
- Há risco de se incentivar à informalidade ou pejotização das relações?
- É possível simplificar a definição e compreensão das bases de cálculo?
- É possível garantir mais estabilidade e previsibilidade nas relações?
- Qual o tempo de transição para o novo regime e as adaptações de sistemas?
Parecem questões até simplórias, mas quando avaliamos o texto hoje em discussão, nos parece que o básico sequer foi considerado. E quando o período eleitoral se aproxima e vemos o déficit público em patamares preocupantes, é difícil acreditar que teremos uma mudança benéfica para o país. Continuamos a desejar a paz no Oriente mèdio, mas da forma como está, não podemos ter o mesmo sentimento pela atual proposta de Reforma Tributária.
Deixo abaixo alguns links de reportagens, entrevistas e materiais sobre o tema da Reforma Tributária, caso alguém queira se aprofundar.
Do nosso lado, continuamos na incansável busca por oportunidades para nossos clientes. Além de nossas opiniões, temos pouco ou quase nenhuma influência sobre as regras do sistema. Mas como operadores do direito, podemos influenciar de forma bastante expressiva os resultados das companhias, evitando cobranças indevidas ou recuperando valores já recolhidos.
Um forte abraço.
Daniel Ávila Thiers Vieira
Referências
Poder 360 – Caminhos para a Reforma Tributária
https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploreeconomies/brazil
https://www.pwc.com/gx/en/services/tax/publications/paying-taxes-2020/explorer-tool.html
https://valor.globo.com/brasil/coluna/pode-acontecer-tudo-inclusive-nada.ghtml
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/07/27/reforma-timida-nao-levanta-economia-diz-appy.ghtml
Locatelli Advogados