Podemos errar seguindo os precedentes?

Por mais irônico que seja, no campo das oportunidades tributárias, aprendemos que é possível tomar decisões piores se adotarmos um critério de decisão racional. Parece uma enorme contradição, mas temos alguns exemplos clássicos para compartilhar. Acompanhe!

Já convivemos com bastante incerteza em nosso dia a dia e em vários aspectos essa é a beleza da vida. Mas no campo dos negócios, esse é um fator que desejamos reduzir ou neutralizar. Há uma busca corporativa pelo provável, pela estabilidade, pela segurança.

E desde muito cedo aprendemos sobre o valor dos precedentes no campo jurídico. É a forma como aprendemos a reduzir riscos e afastar o imponderável. A  jurisprudência nos promete previsibilidade no desfecho das discussões jurídicas. Porém a teoria é bem diferente da prática.

Vamos pensar sobre a discussão da não incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o terço constitucional de férias. Este foi um tema exaustivamente discutido nos tribunais e em 2014 o STJ pacificou a discussão sobre o caráter indenizatório da verba em julgamento afetado pela sistemática dos Recursos Repetitivos (Resp 1.230.957).

O STF, em alguns julgados, entendeu que não se tratava de matéria constitucional e proferiu algumas decisões neste sentido. Mas em 2020 a história mudou. O Supremo não só entendeu que o tema era  de sua competência, como impôs uma derrota ao contribuinte, com impacto na ordem de dezenas de bilhões de reais – RE 1.072.485.

Esse era um tema que todo o mercado acreditava estar pacificado, discussão dada como ganha por advogados, contadores e empresas de auditoria, com um curso processual bastante previsível e favorável. Mas o improvável aconteceu e a insegurança jurídica voltou a cercar o tema. A sua extensão ainda depende do pronunciamento final sobre os embargos de declaração em que se discute a aplicação da modulação de efeitos.

Um outro exemplo de discussão que estava derrotada no STJ, com duas súmulas contrárias (68 e 94) e um Recurso Repetitivo (Resp: 1.144.469/PR) era a correta definição da base de cálculo do PIS e da Cofins. O entendimento do STJ era de que o ICMS compunha a base de cálculo, constituindo faturamento das empresas. O julgamento em Repetitivo de 2016 que citamos acima ignorou uma decisão colegiada do STF de 2014 – RE 240.785.

E por que alguém racionalmente iniciaria essa discussão? Só uma pessoa muito idealista ou extremamente realista poderia se aventurar nessa tese.

A história do processo seria contada por derrotas:

  • Dificilmente conseguiria uma liminar ou uma sentença favorável;
  • O agravos e as apelações também não seriam providos;
  • E o recurso especial, não teria melhor sorte;
  • Só restaria aguardar o pronunciamento do Supremo, a última instância.

Contado desta forma, parece uma trajetória pouco animadora. Não por outro motivo, até a véspera do julgamento pelo STF do RE 574.706, havia aproximadamente 10 mil processos em curso. Hoje este número supera a marca dos 255 mil. Uma maioria esmagadora de empresas foi afetada pela modulação dos efeitos e deixou na mesa mais de R$ 230 bilhões. Estes dados são do IBPT e foram divulgados no Valor Econômico.

Certamente que estes não são os primeiros casos de alteração de entendimento dos tribunais e nem serão os últimos. E isso nos convida a pensar uma estratégia de contencioso tributário completamente diferente.

Sabemos que o custo de uma discussão tributária é bastante irrisório se comparado ao potencial de retorno. Quem já participou de alguns de nossos encontros de Atualização Tributária está familiarizado com o nosso conceito de opcionalidade.

Neste sentido, o mandado de segurança, cabível na maioria dos temas tributários, é uma ferramenta bastante valiosa em nossas mãos. Ele nos permite transferir o risco do valor discutido para a União, os Estados ou os Municípios, ampliando a diversificação em temas e oportunidades.

Pensar o contencioso tributário é como pensar em uma estratégia de investimentos – exige e permite uma diversificação de riscos. Não é preciso colocar todos os ovos em uma cesta só e o custo de adquirir muitas cestas e muitos ovos é marginal em função do potencial de recuperação.

Temos outros exemplos de como a jurisprudência, como um pêndulo, oscilou de forma contrária e favorável aos contribuintes, passando sinais trocados.

  • A não incidência de contribuição previdenciária sobre o salários maternidade
  • A exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB

O nosso objetivo não é desqualificar os precedentes, mas chamar a atenção de como não podem ser os únicos guias das nossas decisões. Se eles existem é porque grandes empresas bem assessoradas por advogados qualificados se anteciparam.

É preciso entender a complexidade do nosso sistema tributário e estar posicionado nas teses de maior impacto e relevância financeira. Aguardar pacientemente o posicionamento dos tribunais, sabendo que já distribuiu as principais ações. Isso é o que definimos como estratégia conservadora, ao evitar que nossas análises nos induzam a erros.

Este mês detalharemos um tema de bastante relevância no contencioso tributário e que merece conhecimento e avaliação.

  • O afastamento da incidência da CIDE sobre os pagamentos feitos para empresas no exterior

Um forte abraço.

Daniel Ávila Thiers Vieira

O afastamento da incidência da CIDE sobre os pagamentos feitos para empresas no exterior

O afastamento da incidência da CIDE sobre os pagamentos feitos para empresas no exterior

Muitas empresas brasileiras celebram contratos com empresas sediadas no exterior para fornecimento de tecnologia, prestação de assistência técnica, prestação de serviços técnicos e de assistência administrativa, compartilhamento de custos (cost sharing), direito de uso de marca etc.

Nesses casos, os pagamentos feitos no âmbito desses contratos estão sujeitos ao recolhimento de uma contribuição conhecida como “CIDE-Remessas” ou “CIDE-Royalties”, nos termos da Lei n. 10.168, de 2000, a uma alíquota de 10% sobre os valores remetidos ao exterior.

Porém, a referida contribuição é inconstitucional, pois a sua criação pelo Congresso Nacional não observou os requisitos constitucionais para a instituição de uma CIDE, além de violar diversos princípios como a Isonomia Tributária e a existência de desvio de finalidade na aplicação dos valores recolhidos.

Não fosse o bastante, em alguns contratos específicos não há qualquer transferência de tecnologia, mas apenas a prestação de serviços meramente administrativos (advocacia, recursos humanos etc), de modo que a CIDE não deveria ser recolhida sobre a remessa de pagamento desses contratos.

Diversas empresas que recolhem a CIDE já ingressaram com ações para afastar a cobrança, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, em breve, irá julgar a constitucionalidade dessa contribuição e o resultado do julgamento valerá para todas as ações judiciais em curso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *