A relação tributária é naturalmente contenciosa e os relatos nos contam uma história bastante primitiva da nossa espécie. Os faraós do Egito cobravam seus tributos escravizando os povos dominados, autodeclarando até a autoridade divina para impor suas vontades. Imperadores, reis, monarcas, czares, cobraram parte da produção agrícola e pecuária de camponeses quase mortos de fome.
Qualquer insatisfação por parte dos “contribuintes” provavelmente seria punida violenta e exemplarmente. Melhor destino não teve Tiradentes (1746-1792), enforcado, esquartejado e exibido em praça pública. Ainda que hoje as fazendas públicas sejam pouco amistosas, a violência física e a dor já não são mais instrumentos legítimos de arrecadação no Brasil. Além do recolhimento espontâneo, divergências são tratadas por meio de defesas. Respondemos a despachos decisórios, atendemos a fiscalizações sem colocarmos a própria vida em risco – um avanço civilizatório significativo.
Nações, países e governos são organizados a partir de orçamentos, em que cada cidadão contribui com uma parte da sua “produção” em troca de segurança, infraestrutura e outros serviços públicos. Essa é a face financeira do Contrato Social de Rousseau (1712-1778) e uma das causas de interesses antagônicos. Os governos vão querer sempre tributar mais e os contribuintes, recolher menos. Mas nem sempre há uma correlação direta entre carga tributária e insatisfação.
É provável que um cidadão russo (ainda que ele não possa dizer) esteja menos satisfeito com o destino de seus tributos que um francês. Na França, a carga tributária representa 46% do PIB, enquanto na Rússia este número é próximo a 24%. Nem é preciso explicar os motivos. As sociedades modernas possuem outras complexidades. Enquanto reis recolhiam cabras e sacos de trigo, nós temos que definir bases de cálculo, expressões de riqueza, redesenhar cadeias de fornecimento. No Brasil, extrapolamos qualquer limite de bom senso para formar o resultado da arrecadação pretendida. Basta pensar nas regras de ICMS ou de creditamento de PIS e COFINS.
E há um detalhe importante para a questão do contencioso tributário e o futuro das democracias – importa o que os governantes fazem com o dinheiro dos contribuintes. As principais economias do mundo, com exceção da Alemanha, possuem dívidas que ultrapassam 100% do PIB. A elevação dos juros para conter a inflação pode ter um impacto enorme no bolso das famílias e no nível de satisfação e tolerância dos eleitores.
Penso que perfis populistas levem vantagem neste cenário. É mais fácil jogar para a torcida, criar benefícios e auxílios de curto prazo e não cuidar da saúde financeira do Estado, do controle inflacionário. E assim vamos enfraquecendo o nosso Contrato Social. Este é um ambiente fértil para as oportunidades de contencioso tributário. A acomodação dos interesses exige novos arranjos, alteração de regras, fontes de custeio e, a reboque, surgem dúvidas e divergências.
É certo que pagaremos mais tributos nas próximas décadas. Mas é possível pagar menos tributos que a média se ficarmos atentos às oportunidades, às imperfeições e fragilidades da legislação. É assim que entendemos e operamos as engrenagens do contencioso tributário.
Contencioso tributário, Direito dos contribuintes, Planejamento tributário, Tributos