A agenda inflacionária do Ministério da Fazenda

“Me arrancaram tudo à força e depois me chamam de contribuinte.”

— Millôr Fernandes

Não é nenhuma novidade a opção do governo por fazer o ajuste das contas públicas pela coluna da arrecadação. Conforme noticiado por diversos veículos de imprensa, o plano do governo federal para zerar o déficit primário de 2024 prevê um adicional de receitas de R$ 168 bilhões, algo próximo a 1,5% do PIB.

Entre as fontes possíveis para alcançar este resultado estão: 

  • Retorno do voto de qualidade no Carf (R$ 54,7 bilhões);
  • A incidência de tributos federais sobre as subvenções fiscais (R$ 37 bilhões);
  • Redução de débitos tributários via transações com a PGFN e SRF (R$ 43,1 bilhões);
  • Fim do benefício fiscal dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) (R$ 10 bilhões);
  • Tributação de Fundos Exclusivos e offshores (R$ 20,3 bilhões).

Ainda que seja válida a crítica de que a expectativa de tais receitas estejam superestimadas, há um plano em curso e os termos da moda são: arcabouço fiscal e recomposição de receitas

Não podemos nos esquecer de que o grande incentivo da nova regra do arcabouço fiscal é ampliar as receitas, na medida que as despesas dependem da primeira condição. Já nos primeiros meses do ano tivemos algumas alterações relevantes nessa direção. Confira:

  • Vedação de créditos de PIS e Cofins sobre ICMS na aquisição de insumos – Lei nº 14.592/2023;
  • Reoneração dos combustíveis – Medida Provisório (MP) nº 1163/2023;
  • Publicação de COSITs restritivas em relação ao desconto de créditos de PIS e Cofins; e
  • Revogação de decretos com viés de desoneração – Receitas financeiras e AFRMM.

Alguns tributaristas têm defendido que a volta do voto de qualidade pode não gerar o retorno esperado. O fato dos contribuintes poderem discutir judicialmente prováveis derrotas poderia adiar a liquidação do crédito tributário, mas as empresas teriam que garantir o juízo, seja por seguro garantia ou desembolso de caixa. 

Enfim, não podemos subestimar a capacidade criativa do governo para impor novas fontes de tributação, principalmente se considerarmos o viés arrecadatório da regra do novo arcabouço fiscal

Nesse cenário, se considerarmos que uma parte ainda maior da riqueza do país será retirada do caixa das empresas e passa a ser direcionada para o pagamento de salários, aposentadorias e benefícios, qual o resultado prático deste desenho?

Vale lembrar que o investimento público do país não alcança 3% do PIB, enquanto o investimento privado soma quase 18%. Ou seja, está sendo firmado um compromisso de reduzir a nossa produtividade para ampliar artificialmente a capacidade de consumo.

Há outros dois detalhes que reforçam as nossas preocupações. O primeiro é sobre a legitimidade do discurso e da meritória busca do equilíbrio fiscal. Ter as contas públicas controladas é algo desejado, que traz previsibilidade e atrai investimentos. Mas em que medida isso pode ser relativizado para atender a agenda eleitoral? Qual o horizonte e compromisso dos nossos parlamentares? 

O segundo detalhe é que corremos o risco de sermos enganados e o Banco Central pode deixar de ser a última barreira de resistência a uma política populista. Ainda que formalmente independente – o que é um avanço -, não podemos nos esquecer que os cargos são exercidos por pessoas indicadas pelo Presidente da República. 

Dada a intensidade das críticas e ataques ao atual Presidente do Bacen, Roberto Campos Neto, em função das taxas de juros, qual o nível de independência teria o próximo presidente e os demais diretores?

Corremos o risco de contar com uma diretoria mais comprometida com a agenda do governo e menos com seus objetivos institucionais. Já sabemos onde projetos populistas podem nos levar: muita euforia no curto prazo e bastante pobreza, desorganização e instabilidade duradouras. 

Grande parte das grandes economias mundiais estão tentando frear o ciclo inflacionário. Aqui temos acelerado este processo. E nossos vizinhos já pularam muitos capítulos, impondo um custo social severo.

Carf, Cofins, CSLL, Fazenda, IRPJ, JCP