Quem vai pagar a conta?

A estrutura de uma dívida é de conhecimento comum. É uma relação que temos dentro de nossas casas, entre familiares e que alcança empresas e governos. Os dois pilares que ancoram uma operação de dívida são a confiança e as garantias oferecidas de que os valores emprestados serão restituídos com juros após um determinado período. Quanto menor a confiança e as garantias, maior é o risco e a taxa de retorno esperada – um movimento de balança, que busca o equilíbrio.

Segundo o professor Eduardo Gianetti, em sua obra, O valor do amanhã, o fenômeno dos juros é, portanto, inerente a toda e qualquer forma de troca intertemporal. Os juros são o prêmio da espera na ponta credora – os ganhos decorrentes da transferência ou cessão temporária de valores do presente para o futuro; e são o preço da impaciência na ponta devedora – o custo de antecipar ou importar valores do futuro para o presente.

Pelo menos foi assim por séculos entre a nossa espécie e suas ferramentas sociais como agiotas, bancos e governos. Os juros sempre serviram como um contrapeso, um limitador ao endividamento. Mas algo mudou de forma estrutural a partir da crise financeira de 2008.

A política de taxa de juros negativa – algo ainda pouco testado – começou a ganhar abrangência mundial tanto nas dívidas soberanas como corporativas. O Japão convive com um cenário próximo a isso há algumas décadas e na crise de 1929 o mesmo fenômeno foi também observado por alguns anos nos EUA. Em 2019, a Nestlé se tornou a primeira empresa a emitir dívida de 10 anos com rentabilidade negativa. Sinal dos tempos que estamos vivendo e com consequências imprevisíveis.

Se olharmos os dados do FMI sobre a relação dívida/PIB de governos, podemos ter a temperatura do grau de alavancagem de algumas economias e da austeridade de outras.

  • Japão: 237%
  • Grécia: 180%
  • Itália: 134%
  • EUA: 108%
  • Brasil: 89%
  • Alemanha: 59%
  • China: 56%

Políticos em qualquer canto do mundo sempre foram criativos em financiar o presente e garantir os interesses de curto prazo. Mas a criatividade era reprimida, limitada pelo custo da impaciência. Quando o custo deixa de existir, as possibilidades tornam-se exuberantes e irracionais.

Basta pensar o seguinte: se você vai comprar um imóvel de R$ 1 milhão de reais e os juros são de 5%, seu custo anual de juros é de R$ 50 mil. Mas se os juros forem de 1%, você pode comprar um imóvel maior, talvez de R$ 5 milhões e ter a mesma despesa anual com juros. Ou pior, aquele imóvel que antes custava R$ 1 milhão, passa a ser avaliado em R$ 5 milhões. E assim se formam as bolhas.

O que temos de conhecimento é que de forma cíclica o excesso de liquidez aumenta o consumo, melhora os balanços das empresas, resulta em pressão inflacionária que por sua vez exige que os bancos centrais subam os juros, desaquecendo a economia, a rentabilidade dos investimentos, gerando desemprego e insegurança. Como um pêndulo, oscilamos entre a ganância e o medo.

O que amplia nossa preocupação é que um problema que já era estrutural ganhou contornos mais acentuados com os auxílios emergenciais e suas variantes, no contexto da pandemia. E uma das dúvidas que fica é: quem vai pagar essa conta? Os governos ainda não disseram quem vai tapar o buraco, mas é possível testar algumas hipóteses e sabemos que temos uma realidade brasileira distinta da norte-americana ou japonesa.

Certamente que a população mais vulnerável (quem ganha até US$ 8 dólares por dia) já paga uma conta social elevada – desemprego, informalidade, insegurança alimentar, moradias inadequadas entre outros dramas que fazem parte do dia a dia de bilhões de pessoas. Financeiramente, a capacidade de contribuição deste grupo é muito limitada, tanto que são dependentes dos subsídios públicos e privados para se manterem.

Além de nos perguntarmos quem vai pagar essa conta é importante saber quem tem condições de pagar essa conta. E se os juros voltarem a subir, será que realmente teremos como suportar o nível de juros de um montante de dívida tão elevado? Ou entraremos em um ambiente de dominância fiscal? Em termos administráveis, em geral, são as classes médias (quem ganha entre US$ 16 e US$ 32 dólares por dia) que suportam os custos dos governos.

De tempos em tempos o óbvio precisa ser repetido. Governos que valorizem as instituições e passem sinais de segurança e estabilidade tendem a ter um custo de financiamento de suas dívidas menor. Na dúvida, compare o custo do financiamento da dívida da Alemanha em relação à Argentina ou ao Brasil.

Quem, quando ou como as dívidas soberanas serão pagas ainda são perguntas sem resposta. Nem mesmo as mentes mais preparadas arriscam traçar cenários. Luis Stuhlberger, gestor da Verde Asset, reconhecendo a complexidade do problema e também sem muitas convicções, fala em um Plano Collor mundial. Se for isso, a presidente Dilma já profetizou: não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.

Na News deste mês, explicaremos as principais teses previdenciárias hoje em discussão no judiciário federal.

  • Contribuição Previdenciária Patronal – Incidência sobre a “folha líquida”
  • Exclusão dos descontos e coparticipações a título de vale-refeição/alimentação, previdência complementar, plano de saúde da base de cálculo das contribuições previdenciárias
  • Exclusão de verbas indenizatórias ou não habituais

Os temas tributários a serem julgados em Repercussão Geral no STF podem ser acessados no site do escritório através deste link.

Um forte abraço.

Daniel Ávila Thiers Vieira

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