Um efeito percebido com a extensão da pandemia foi a compressão de margens de setores dependentes de commodities como insumos. Apesar dos esforços monetários expansionistas ou por causa deles, a tentativa de manter as relações interrompidas pela paralisação das atividades, gerou desequilíbrios. A não atividade econômica por alguns meses forçou governos a bancarem auxílios emergenciais pelo mundo, que por sua vez pressionaram os preços de itens de primeira necessidade.
Trigo, milho, soja, petróleo, minério de ferro entre outros insumos básicos acumulam altas expressivas desde o ano passado. A explicação é a forte demanda mundial e no Brasil sentimos em maior intensidade pela desvalorização da nossa moeda. A dificuldade de repassar custos é ampliada pela fragilidade das consequências da pandemia e das medidas restritivas necessárias à contenção do vírus. Mesmo líderes de mercado, com elevado poder de negociação, enfrentam esse desafio, já refletido em seus resultados.
Vou me limitar a apenas um exemplo, para depois ampliar o conceito de “compressão”. O caso da M. Dias Branco, líder no segmento de massas e biscoitos, ilustra bem o que queremos dizer. O preço médio do trigo apresentou um aumento de 10% entre o 4T19 e o 4T20 e o Real desvalorizou quase 30% no ano passado frente ao dólar. O resultado é uma redução da margem bruta da companhia de 37,7% para 28,6%, na comparação trimestral.
Negócios de pequeno e médio porte sentem ainda mais o peso da elevação de custos e da dificuldade de repassá-los aos seus clientes. As famílias, que ainda mantiveram sua renda, sentem o maior peso de itens da cesta básica, do gás de cozinha e da energia elétrica. E os governos, já endividados, sentem a dificuldade de acomodar os orçamentos às obrigações públicas e à agenda eleitoral.
Há setores, empresas e indivíduos que certamente não sentiram os efeitos da pandemia, estão em expansão acelerada. Negócios ligados à tecnologia, e-commerce, e produtores/extratores de commodities hoje navegam com ventos favoráveis.
E para todo o resto, há alguma saída de alívio? Os governos, como moderadores, deveriam passar as diretrizes para reacomodar as relações e expectativas, tanto das famílias quanto do mercado. Mas a agenda eleitoral dos políticos pouco conversa com uma agenda de responsabilidade fiscal, austeridade, segurança e transparência com a sociedade. São mundos, infelizmente, muito distantes e que imprimem uma pressão regressiva.
Assistimos a dezenas de milhões de pessoas, só no Brasil, sofrendo com a perda substancial de renda. Segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo, baseada em estudos da FGV Social e da Tendências Consultoria, são mais de 30 milhões de pessoas que migraram da classe C para as classes D e E. É uma perda de poder de compra substancial.
São famílias que trabalhavam, geravam renda, consumiam e pagavam impostos. É contra intuitivo pensar que isso não terá reflexos nos resultados corporativos de empresas expostas ao consumo interno e no próprio equilíbrio das relações sociais. Andar pelas ruas é um exercício de perceber a ampliação do número de pessoas na condição de vulnerabilidade, dependentes da solidariedade dos que ainda podem estender a mão.
E qual o impacto dessa brusca subtração de renda, será que as pessoas vão aceitar passivamente este novo quadro social? Ainda que seja possível acreditar no reequilíbrio das relações no longo prazo, como condição mínima de existência de um contrato social, o prolongamento da crise sanitária torna a situação mais aguda e menos gerenciável. Se os dados da FGV e da Tendências estiverem certos, não há programa social capaz de reverter os padrões de renda perdidos.
A União já opera além do limite do orçamento. Ampliar tributos ou sobretaxar fortunas pode parecer uma medida de eficácia de curto prazo, mas como toda solução simples, pode gerar efeitos colaterais ainda mais perversos, como a fuga de capitais e a retração de investimentos. E ainda que fosse uma medida plausível, os agentes políticos seriam os principais impactados, direta ou indiretamente.
Não há resposta simples para um problema tão complexo. As necessidades são muito maiores que as disponibilidades. O momento exige liderança qualificada para enfrentar o desafio da saúde e proporcionar segurança para que as pessoas possam voltar a trabalhar, fazer planos e conquistar uma melhor qualidade de vida. Para quem ajuda, a solidariedade pode ter uma ótica positiva; para quem recebe, deve ser asfixiante.
No campo tributário, mantemos a estratégia de defender os interesses de nossos clientes contra os excessos da arrecadação. Além de garantir que as principais teses tributárias cheguem ao conhecimento dos tomadores de decisão, acompanhamos de perto os julgamentos dos temas.
Na sessão plenária desta quinta-feira, dia 29 de abril, o STF deve ser iniciado o julgamento dos embargos de declaração relacionados à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins no autos do RE 574.706. Tanto a União quanto a Receita Federal tiveram prazo mais que suficiente para ajustarem seus orçamentos e metas de arrecadação diante do que já havia sido definido pelo Supremo em julgados anteriores. Esperamos que essa conta não seja novamente devolvida às empresas e contribuintes que contestaram judicialmente este tema.
Um forte abraço.
Daniel Ávila Thiers Vieira