No ano passado, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no Tema de Repercussão Geral 962, fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição do indébito tributário”. Em outras palavras, o IRPJ e a CSLL não podem incidir sobre a Selic aplicada como fator de correção monetária e juros de mora sobre o indébito tributário decorrente de medida judicial ou pedido de restituição/compensação administrativa.
Segundo o STF, a variação financeira correspondente à taxa Selic sobre indébitos tributários não se enquadra na hipótese de incidência do IRPJ nem da CSLL uma vez que se trata de mera recomposição de perdas, não configurando acréscimo patrimonial do contribuinte. Assim, deixa-se claro que a Selic tem um papel de recomposição do poder de compra do dinheiro, combinado com juros moratórios, não podendo ser entendida como receita nova, tal como a Receita Federal entende.
Ocorre que apesar dessa decisão, publicada no acórdão do RE nº 1.063.187/SC, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) opôs embargos declaratórios com objetivo de estabelecer modulação dos efeitos da decisão para reduzir o impacto econômico-financeiro aos cofres públicos.
Para tal feito, a PGFN busca fundamento na jurisprudência do STJ, contrária a essa tese fixada posteriormente pelo STF no exercício de seu papel de guardião da Constituição Federal. O pedido principal é para que a modulação tenha impacto para o futuro, abarcando apenas os fatos geradores posteriores ao encerramento do julgamento ocorrido no dia 24 de setembro de 2021. Além disso, caso exista alguma ressalva referente aos processos judiciais em curso, pede que se estabeleça o impacto da tese às ações ajuizadas até a data da inclusão do processo em pauta (01/09/2021) ou até a data de início do julgamento (17/09/2021).
De tal modo, teríamos uma limitação temporal com a tese sendo aplicada somente a partir do dia 24 de setembro de 2021, ou abarcando as ações judiciais em curso até a data da inclusão do processo em pauta ou do início do julgamento. Todavia, é preciso deixar claro que o STF tem autonomia para estabelecer outros recortes ao instituto da modulação de efeitos.
Mas os desdobramentos da decisão relativa à taxa Selic incidente sobre indébitos tributários não param por aí. Seguindo entendimento semelhante à Selic recebida nas repetições de indébito também deve ser excluídas das bases de cálculo do PIS e da COFINS. Nesse caso, a Selic não se enquadra no conceito de receita para fins de incidência de PIS e COFINS. Inclusive no Tema 69 o STF já definiu que o termo receita deve ser entendido como o ingresso no caixa da empresa que configure uma variação positiva no seu patrimônio e a Selic é mera recomposição do poder de compra, combinado com uma variação pela indisponibilidade do capital.
Nesse sentido, é interessante notar que a Receita vem, em alguns casos, nos quais são mais benéficos aos cofres públicos, adotando conceitos próprios da contabilidade, e, deixando de lado os conceitos do Direito Tributário, que, por vezes, não são semelhantes. Tal como a variação pela Selic não se enquadra no conceito de acréscimo patrimonial para fins de IRPJ e CSLL, igualmente não se encaixa no conceito de receita para fins de incidência de PIS e Cofins. Neste sentido, empresas como Raízen, Gerdau, Fleury e PWC, já se posicionaram com pedidos judiciais para afastar a incidência de PIS e Cofins sobre a Selic.
Faz-se mister ressaltar ainda que há um terceiro tema a ser enfrentado no que tange à tributação sobre a Selic, e neste caso as possibilidades são ainda maiores. A incidência de IRPJ, CSLL e PIS e Cofins sobre depósitos judiciais, sejam para garantia de execuções ou recursos em ações trabalhistas, são valores corrigidos pela Selic e, portanto, passíveis de incidência de tributação, a qual pode ser afastada por decisão judicial.
Há ainda um ponto levantado por algumas empresas, dentre elas a Citrosuco, para não incidência tributária sobre juros contratuais. Frisamos que as teses correlatas ao Tema 962 ainda não foram enfrentadas pelas Cortes Superior e Suprema de forma que as empresas precisam se posicionar para não serem impactadas pelo que temos chamado de “prescrição no atacado” – a limitação do direito de recuperar os últimos 60 meses de indébitos tributários. Ademais, é preciso ter claro que o tema Selic se mostra como uma significativa, em especial devido a longa duração dos processos, pois em alguns casos, a parcela de Selic pode ser equivalente ou superior ao valor indevidamente recolhido ou depositado.
Aline Ferraudo, Ana Almeida, Bruno Borges e Daniel Ávila, do Locatelli Advogados
Cofins, CSLL, IRPJ, Oportunidade tributária, PIS, Selic